(Os nomes dos locais e pessoas,
com exceção do meu, foram alterados.)
Perto da editora, há uma linda
praça. Ela é muito bem conservada, com árvores antigas e vários tipos de
flores, lindas, coloridas e vivas. Ao redor, moradias. Uma pequena vila bucólica
no meio do caos urbano.
Às vezes, estaciono meu carro lá.
Há algumas semanas, parei o carro em frente a uma das casas que não têm
garagem. A guia não era rebaixada, então pensei que pudesse deixar o carro lá.
Entretanto, a senhora dona da casa
solicitou, um pouco áspera, que eu tirasse o carro de lá, pois a vaga pertencia
ao automóvel do filho. Voltei para o carro.
Sentada numa cadeira na frente da
mesma casa, na calçada, uma senhorinha muito branca, muito enrugada, cheia de
pintas e com os cabelos bem pretos me olhou com uma expressão de compaixão. Ela
se levantou e disse:
– Ali, filha, põe ali.
Agradeci, estacionei onde ela
indicou, desci do carro, dei um sorriso a ela e acenei. Desde então, quando a
vejo por lá dou um sorriso e um aceno, e ela retribui.
Hoje, 27 de fevereiro de 2013,
estacionei o carro na praça. Estava já andando na calçada quando fui abordada
pela senhorinha.
– Oi, minha filha! Como você chama?
– Simone.
– Simone? Nossa, acho você tão
linda, tão simpática. Linda, linda, linda.
Surpresa, constrangida e sem saber
como agir, eu respondi, rindo:
– Muito obrigada. E a senhora, como
chama?
– Fulana. Meu Deus, como você é
linda e simpática.
Ela me deu um beijo e um abraço,
que correspondi.
– Vem cá, vem ver uma coisa.
E me mostrou o cachorro que é do vizinho.
Ele estava comendo.
– Sobrou muita galinha, porque
vinha umas seis pessoas pra comer, mas no final só três jantaram. Então
coloquei ali pra ele. Acho que ele não vai passar mal, não, né? Olha só,
coitado, que cachorro magrinho!
– Acho que não vai fazer mal não, ele
já comeu quase tudo.
– Minha filha, você já viu o Beltrano,
o meu filho? Olha, não é por ser meu filho não, mas ele é muito lindo, muito
mesmo. Ele foi transferido de Sei-Lá-Onde pra cá. A empresa alugou esta casa.
Moro eu, ele e meu neto. É tranquilo aqui, né, filha? Muito agradável, não tem
falatório, nem fofoca. Você já viu o Beltrano?
– Acho que não, dona Fulana.
– É que ele fica o dia todo fora,
tem que trabalhar, né? Ganhar o sustento. Você mora onde, minha filha?
– Perto do metrô Vazio.
– Nossa, é longe, né?
– É, é sim.
[Na verdade, não é, mas tive
preguiça de explicar tudo.]
– Tá indo trabalhar?
– Sim, trabalho ali, na Rua dos
Sonhos, do lado do Banco Lucros Lícitos. É num prédio com portão vermelho. É
uma editora.
– Ah, sei qual é sim, já passei lá
algumas vezes. Olha, qualquer dia, vem tomar um café, vem. A minha casa é
aquela, olha. Vem mesmo, sem cerimônia.
– Vou sim, dona Fulana, qualquer
dia eu vou.
– E você é casada, Simone?
– Não, dona Fulana, não sou não.
Ela colocou as duas mãos no rosto,
numa expressão de lamento:
– Meu Deus, o príncipe encantado
ainda não achou você?
– Não existe príncipe encantado, dona
Fulana.
A essa altura, estava rindo
bastante por dentro, mas não tanto quanto por fora. Tive receio de magoar a
senhorinha.
– É, né, minha filha, essa história
é coisa do passado.
Me abraçou e beijou de novo.
– Mas vem um dia tomar café aqui em
casa, aí você conhece o Beltrano e o meu neto.
– Vou sim, pode deixar, dona
Fulana.
– Bom trabalho, viu filha? Deus abençoe.
Que você continue sempre linda e essa simpatia.
Beijo e abraço de novo.
– Obrigada, dona Fulana. Bom dia.
Ela ficou olhando eu ir embora.
Ri e sorri bastante sozinha
enquanto caminhava até a editora.
[Tem a segunda parte, mas outro dia
eu conto.]