segunda-feira, 1 de maio de 2017

Ferida viva

São Paulo, 1 de maio de 2017

Sim. Acho que vou retomar o blog. Com que frequência? Até quando? Sei lá. [Nesses casos, adoro usar a astrologia. Sou de gêmeos, signo mutante, mil e um interesses, etc.]

Meu último texto é de março de 2015. Sinto falta de escrever. Mas o atropelo do dia a dia... Ah, a correria, blá-blá-blá. Tantas coisas sobre as quais tenho vontade de escrever. Boas, ruins, engraçadas, tristes, patéticas, ridículas e segue a lista... Vou tentar, então. Ten-tar, que fique claro.

Como um tombo foi um dos motivadores deste blog, acho que devo mencionar o assunto: sim, caí nesse intervalo. Em 2015 e em 2016. Em viagens. Ao mesmo lugar. Foram doídos? Muito. Física, moral e emocionalmente. Ainda hoje sinto a dorzinha da caída de 2015 [palavras-chave: trilha; Petar; cavernas; lama; sentada; locomoção/deslizamento pela lama].

Hoje, dos assuntos que posso tornar público (rá!), quero falar do Belchior. As letras dele reverberam muito na gente. Como acontece com outros artistas, a obra dele revela um pouco de sua alma. Não sei dos tombos físicos que ele sofreu, ou se os sofreu. Mas as canções dele revelam alguém que levou várias rasteiras da vida, né? Tenho certeza de que ele caiu e se levantou muitas vezes: teve até 'ferida viva' no coração por conta disso... Como eu, como você.
[Essa é a minha preferida dele. Desde antes mesmo de saber que era dele.]






sábado, 21 de março de 2015

Que loucura!

São Paulo, 21 de março de 2015.

Ontem, fui ver a exposição Leonardo da Vinci: a natureza da invenção. No Sesi da Paulista, entrada grátis. Vai lá, recomendo. A exposição é maravilhosa. Estava escrevendo mais adjetivos sobre ela, mas esta não é a intenção do texto. 

No áudio da introdução à mostra, a moça diz, no ouvido de quem se dispuser a escutá-la, que um dos objetivos da exposição é desmistificar Leonardo da Vinci. Ele foi um gênio, sim, mas não "só" isso. Ela conta que ele dedicava horas e horas a observar a natureza e mais outras tantas a desenhar o que viu. Além de talentoso, era estudioso, esse rapaz.

A exposição está dividida em núcleos temáticos: "Introdução", "Transformar o movimento", "Preparar a guerra", "Desenhar a partir de organismos vivos", "Imaginar o voo", "Aprimorar a manufatura" e "Unificar o saber". Todos essas partes da obra de Da Vinci me impressionaram muitíssimo. Também me divertiram e emocionaram.
Há três coisas, contudo, que ficaram muito fortes, na mente e na alma. Posso dizer que foram três legados de Da Vinci que me tocaram profundamente.

O primeiro é o modo como ele valorizou a natureza. Foi a partir dela, ou melhor, da observação que fazia dela, que ele desenvolveu toda a sua esplêndida obra. É espetacular ver como alguém atento, disposto a "ver" e a "escutar" (não, necessariamente, no sentido literal), pode nos mostrar a natureza de uma nova forma.


O segundo legado de Da Vinci foi me mostrar que há fatos que, muitas vezes, podem parecer grandes e ameaçadores, mas nem sempre o são na proporção que captamos. Na seção "Preparar a guerra", há esboços e maquetes de engenhocas  cujos objetivos não eram apenas atacar o inimigo, mas também "causar terror" no adversário, provocar medo, abalar "o psicológico" do sujeito.


O último legado e o mais tocante, pra mim, foram as analogias. A mesma moça do começo da exposição fala de um jeito muito bonito e delicado sobre a importância das analogias para Da Vinci. Ela contou que esse Leonardo acreditava que as analogias eram uma forma de buscar a harmonia de elementos, à primeira vista, completamente diferentes e díspares.


Na exposição, tem uma mesa giratória para você encontrar algumas dessas analogias feitas pelo artista de uma forma lúdica. Eu amei, se pudesse traria pra casa.



Quem quiser saber mais sobre a exposição, tem materiais lindos aqui:   http://www.sesisp.org.br/cultura/exposicao/leonardo-da-vinci-a-natureza-da-invencao.html. Mas é bem melhor ver e sentir tudo pessoalmente. Nesse mesmo site, tem material para educadores e para alunos sobre Da Vinci. Foi de lá que tirei a sugestão da música que acompanha este post.
Em 1976, Sérgio Sampaio "Que loucura". Escuta. De perto ou de longe, ninguém é normal! Que bom, né?






terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Só um piscar

E resolvi escrever o último post do ano. Quase não fiz isso em 2013, por motivos variados e que não importam.

Mas hoje reli algo que me fez ter vontade de escrever um texto de "fechamento" do ano.

Não sou de fazer balanços, listas de metas, do que cumpri, etc. Então serão poucas palavras.

O ano que está prestes a acabar foi difícil pra mim. Imagino que para muita gente também. Sabe o jogo Banco Imobiliário? Fazem parte dele as fichas "Sorte ou Revés". Será que tive mais "sortes" ou mais "reveses"? Não sei. Mesmo. Sei que tive vitórias ao longo do ano. Nas "sortes" e nos "reveses".

Uma personagem que adoro e que é uma das mais sábias da nossa literatura, talvez da literatura mundial, me ajudou a concluir que eu vivi, independente das cartas que tirei nesses últimos 12 meses.
"A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem para de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais. A vida das gentes neste mundo, Senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama. Pisca e anda. Pisca e brinca. Pisca e estuda. Pisca e ama. Pisca e cria filhos. Pisca e geme os reumatismos. Por fim, pisca pela última vez e morre.
– E depois que morre? – perguntou o Visconde.
– Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?" (Monteiro Lobato, Memórias de Emília.)




Parece que John Ulhoa leu o mesmo livro. O Pato Fu canta o que ele escreveu na música "A verdade sobre o tempo".


segunda-feira, 29 de abril de 2013

Ouvido público compulsório

Sexta-feira passada, dia 26/4/2013

Primeira ocorrência
Entre 20h e 20h30min. Início: metrô Tatuapé. Término: estação Paraíso. Tempo do trajeto: cerca de meia hora.

Segunda ocorrência
Entre 23h e 23h30min. Início: metrô República. Término: estação Guilhermina-Esperança. Tempo do trajeto: cerca de meia hora.

Eis uma parte do mapa do metrô. Os acontecimentos ocorreram nas linhas Vermelha e Azul. (Sei que entre meus milhões de leitores, há quem não ande de metrô.
 
 

Descrição da primeira ocorrência

Peguei o metrô na estação Carrão. Na estação seguinte, Tatuapé, ouço gritos. Acoplados a essa estação, há dois shoppings, ambos muito frequentados por adolescentes. Pensei que era um grupo dessa espécie. O grupo, porém, era formado por duas mães e suas proles. Cada mulher tinha um filho. Os gritos não eram das crianças, era de uma das mães.

Bom, elas entraram e uma delas continuava falando muito alto com seus companheiros de viagem. Alto mesmo. Gritando. Seu filho, um menino de uns 8, 9 anos – bem ativo, faceiro, uma criança agindo como uma criança –, era constantemente repreendido pela mãe. Claro que bem alto, ela gritava.
 
 
A outra mulher estava um pouco constrangida, mas conversava o mais normalmente possível com a amiga. Eu? Eu estava muito, muito brava, pra não usar palavrões.

Finalmente, chegou a Sé! Ufa, vou descer, fazer minha baldiaçãozinha e ficar em paz. Parei na plataforma. O grupo parou no mesmo lugar que eu. Criança inquieta fica “empurrando” os adultos sem querer, mãe gritante também, se mexendo, toda inquieta e esbarrando nas pessoas ao redor. Se empolgou com algo e deu um grito. Antes que ela continuasse, a amiga pôs a mão sobre a boca dela e disse: “Xiii, fala baixo, que vergonha”. Agora ela não estava um pouco constrangida, estava bastante envergonhada.

O trem chegou, a mãe gritante empurrou as crianças para a frente do moço que estava na frente dela na fila e para a minha frente também. Ou seja, ela furou a fila usando as crianças de forma bruta e nada delicada. Me afastei para que o grupo entrasse. Pensei em esperar outro trem ou sair correndo para entrar em outro vagão, mas tive vergonha de fazer isso.

O espetáculo continuou, até chegarmos na estação Paraíso. As amigas se despediram, suas proles também. Esperei a mãe gritante andar uns bons passos. Observei onde ela parou e segui para esperar o mesmo trem, mas com alguns vagões de distância.
 
Descrição da segunda ocorrência

Entra um casal de amigos. A moça diz: “Fala, Carlos, você que é homem, se não é um absurdo. Ele tem que se decidir. Ou é namoro ou é amizade. [Nessa horam me lembrei do Sílvio Santos. Larálará, Larálará, Larálará, laralarálará...] Ele disse pra deixar rolar. Eu disse que quero namorar”. E aí um blábláblá sem fim sobre esse recém-iniciado relacionamento. O Carlos, pobre homem, só ouvia e fazia sinal afirmativo com a cabeça. Ela perguntava, mas de forma retórica, não esperava resposta nenhuma.
 
Nisso, a moça recebe uma ligação. “Não, não foi pra você. Sim, tenho certeza.” Era o ex-namorado da moça, que a estava “perseguindo” com constantes ligações e mensagens. Naquele dia, ela o havia aceitado no Facebook. Ela publicou um vídeo e o ex interpretou que era uma indireta para ele. Indireta de saudade.
 
Ela reclamava do moço, ele ligava a cada... dois minutos, sei lá. Ela, com o celular na mão, atendia ao primeiro toque. Quando atendeu o telefone pela última vez, a chamada durou bastante tempo. Tempo suficiente para o desconcertado Carlos ficar lá, no vácuo, sem saber muito o que fazer, já que a amiga parara de falar com ele para atender o ex.
 
Carlos se despediu, desceu do metrô e a ligação continuou. Ela mais ouviu que falou (bom para mim). Ela disse, entre outras coisas, que ele a deixasse em paz, que ela estava namorando (hahaha, que mentira deslavada), que ela levava uma vida simples [lembrei que ainda não tinha lido minha Vida Simples deste mês], mas era muito feliz, que o relacionamento deles tinha sido um erro, que o novo namorado adorava crianças, especialmente o filho dela, que... Nem sei mais. Enfim, ela desligou numa estação e eu desci na próxima.

Então...
 
Na própria sexta, eu havia planejado escrever sobre esses acontecimentos. Contudo, um texto da grande Eliana Brum fez que eu antecipasse a escrita. Recomendo muito a leitura dele. Se quiser ler, clique aqui.

Meus nervos ficaram à flor da pele em ambas as situações. Sei que não deveria me estressar com coisas assim. Mas me abalo, muito mesmo. Não suporto, em casos como os que contei, a falta de respeito pelo outro.

No primeiro caso, senti raiva, muita raiva, daquela mulher, sobretudo porque ela agia daquela forma na frente do filho. Como assim? Alguém que grita em espaço público chama a atenção de uma criança por ela estar sendo criança? Que educação é essa?

O segundo caso me deixou mais chocada que irritada. Como uma pessoa expõe sua vida assim? No vagão, perto dela, havia pelo menos umas dez pessoas. Não tinha como não ouvir. Quem estava lá ouviu detalhes muito, muito pessoais de uma desconhecida. Ela conversava ao celular como se estivesse num lugar privado. E, o pior, ela não estava incomodada com isso (nem com a conversa com o amigo nem com a conversa com o ex).

Enquanto eu era testemunha dessa patética DR pública, olhei ao redor, no vagão. Diria que 70% das pessoas falavam ao celular. E outra moça, um pouco mais distante, discutia a relação amorosa com seu namorado. Sei que era namorado porque ela gritava e falava o nome dele, que, felizmente, não guardei. E aquele burburinho de muitas pessoas falando... Ao celular.

Em nenhum dos casos eu ou outros ouvintes recebemos um obrigado!
 
 
Eliana Brum disse:

Me parece descortês alguém estar comigo num restaurante, por exemplo, e interromper a conversa e a comida para atender o celular. Assim como me parece abusivo ser obrigada a aturar os celulares das pessoas ao redor tocando em todas as modalidades e volumes, invadindo o espaço de todos os outros sem nenhuma consideração. Ou ainda estar em um lugar público e ter de ouvir a narração de uma vida privada, uma que não conheço nem quero conhecer. Será que isso é realmente necessário? Será que uma pessoa não pode se ausentar, ficar incomunicável, por algumas horas? Será que temos o direito de invadir o corpo/tempo dos outros direta ou indiretamente? Será que há tantas urgências assim? Como é que trabalhávamos e amávamos antes, então?”. (É urgente recuperaro sentido de urgência. Revista Época. 29 mai. 2013)

 

 

 

terça-feira, 16 de abril de 2013

Compartilhar pode ser bom


Faz muito tempo que não escrevo. Muito mais do que eu gostaria. Mas... É o que todos já sabemos, então vou pular esta parte.

Quero escrever sobre tantas coisas, mas vou retomar com esta história porque pode ajudar outras pessoas.

Na noite de 11 de março de 2013, já tarde da noite, fui dar a derradeira olhada no Facebook.  E vi que a Roberta havia compartilhado uma mensagem do tipo “pessoa desaparecida”.

Eu, que sempre fui incrédula sobre estas mensagens – sempre desconfiei da veracidade delas – fiquei extremamente nervosa quando vi uma pessoa que conheço “de vista” indicada como desaparecida. (Vou reproduzir a postagem, pois ela já se tornou pública.)

 


Imediatamente, comecei a pensar no que fazer. Fui “fuçando” no Face até tentar chegar à pessoa que primeiro postou o anúncio, mas não consegui.

Então, liguei para a Polícia, que falou que era com o Disque Denúncia, que falou que era com a Polícia. Minha vontade foi cometer desacato às autoridades, todas elas.

Como assim?! Fiquei bem pilhada, acho que recebi mil cargas de adrenalina por segundo.

Eu tinha o endereço da pessoa desaparecida, o primeiro nome e ninguém podiasequ er anotar as informações porque eu desconhecia o sobrenome e o paradeiro exato dela no momento.

Por mais que eu insistisse, o policial explicou que não havia o que fazer, já que eu não tinha o nome completo da senhora nem sabia onde ela estava.

(Isso depois de ele ter dito, assim que atendeu, na segunda vez: “Mas eu acabei de falar para a senhora que é com o Disque Denúncia”).

Fingindo ter paciência, perguntei a ele: “se eu descobrir em que abrigo ela está vocês vão poder fazer alguma coisa?”. A resposta foi não.

Liguei, então, para uns cinco abrigos (fiz uma busca dos abrigos no bairro mencionado no post), mas não consegui nada. Finalmente, um homem me orientou: que eu ligasse no CAP, pois lá eram grandes as chances de eu conseguir ajudar com a informação que tinha.

Liguei no CAP, a funcionária que atendeu foi muito atenciosa, mas disse que eu só conseguiria alguma resposta a partir das nove da manhã do dia seguinte.

Quase uma hora depois, me resignei: não havia nada que eu pudesse fazer. Nada.

A última coisa que fiz foi enviar um e-mail para os colegas de trabalho, pois a senhora mora perto da empresa e alguns a conheciam por causa de uma história que contei.

Fiquei preocupada, sobretudo porque eu tinha visto o post numa segunda-feira, mas a publicação tinha sido feita no começo da noite de sexta-feira.

Não consegui deixar de pensar na velhinha perdida, sem saber o próprio nome nem onde morava. Dormi tarde e mal.

Na manhã seguinte, fui bater na casa da dona Paula. Ninguém atendeu. Perguntei, então, a uma vizinha. Ela me disse que na própria sexta-feira encontraram a dona Paula, e que ela já estava na cidade de origem dela com o neto (o filho estava no Japão a trabalho).  A vizinha me disse, também, que não era o primeiro episódio de sumiço. Outras vezes dona Paula saíra e não conseguira voltar para casa, por não se lembrar de onde morava.

Gostaria de escrever sobre o que senti, o que pensei, etc. Mas preciso me focar aqui. Então, os fatos, vamos aos fatos.

Depois disso tudo, vi que esses compartilhamentos no Face podem funcionar. Não ajudei em absolutamente nada nesse caso, porque, graças a Deus, dona Paula voltou logo para casa.

Entretanto, se tudo tivesse dado errado, tenho certeza de que minhas informações teriam sido muito valiosas e que poderiam ter ajudado de fato!

Desde então, compartilho quaisquer notícias de desaparecimento (alguns já devem ter notado isso rs...).

No mesmo dia que soube que dona Paula estava bem, eu fiz um comentário no meu post, contanto a boa notícia ao mundo virtual. O post ainda está por aí, sendo compartilhado (eu o vi ontem).

Então, é isso. Vou continuar enchendo o feed de notícias do Face com pessoas desaparecidas, porque tenho certeza de que isso pode de fato ajudar alguém.

Ah, o detalhe pitoresco desta história: a dona Paula, que desapareceu, é a senhora de quem falei aqui. Se você não leu, aí vai. É só clicar aqui.
 
Queria postar uma canção ou um texto, como de costume. Mas não me ocorreu nada. E não pode ser forçado rs... Então, este post acaba assim. :)
 

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Miss Simpatia


(Os nomes dos locais e pessoas, com exceção do meu, foram alterados.)

Perto da editora, há uma linda praça. Ela é muito bem conservada, com árvores antigas e vários tipos de flores, lindas, coloridas e vivas. Ao redor, moradias. Uma pequena vila bucólica no meio do caos urbano.
 

Às vezes, estaciono meu carro lá. Há algumas semanas, parei o carro em frente a uma das casas que não têm garagem. A guia não era rebaixada, então pensei que pudesse deixar o carro lá.

Entretanto, a senhora dona da casa solicitou, um pouco áspera, que eu tirasse o carro de lá, pois a vaga pertencia ao automóvel do filho. Voltei para o carro.

Sentada numa cadeira na frente da mesma casa, na calçada, uma senhorinha muito branca, muito enrugada, cheia de pintas e com os cabelos bem pretos me olhou com uma expressão de compaixão. Ela se levantou e disse:

– Ali, filha, põe ali.

Agradeci, estacionei onde ela indicou, desci do carro, dei um sorriso a ela e acenei. Desde então, quando a vejo por lá dou um sorriso e um aceno, e ela retribui.

Hoje, 27 de fevereiro de 2013, estacionei o carro na praça. Estava já andando na calçada quando fui abordada pela senhorinha.

– Oi, minha filha! Como você chama?

– Simone.

– Simone? Nossa, acho você tão linda, tão simpática. Linda, linda, linda.

Surpresa, constrangida e sem saber como agir, eu respondi, rindo:

– Muito obrigada. E a senhora, como chama?

– Fulana. Meu Deus, como você é linda e simpática.

Ela me deu um beijo e um abraço, que correspondi.

– Vem cá, vem ver uma coisa.

E me mostrou o cachorro que é do vizinho. Ele estava comendo.

– Sobrou muita galinha, porque vinha umas seis pessoas pra comer, mas no final só três jantaram. Então coloquei ali pra ele. Acho que ele não vai passar mal, não, né? Olha só, coitado, que cachorro magrinho!

– Acho que não vai fazer mal não, ele já comeu quase tudo.

– Minha filha, você já viu o Beltrano, o meu filho? Olha, não é por ser meu filho não, mas ele é muito lindo, muito mesmo. Ele foi transferido de Sei-Lá-Onde pra cá. A empresa alugou esta casa. Moro eu, ele e meu neto. É tranquilo aqui, né, filha? Muito agradável, não tem falatório, nem fofoca. Você já viu o Beltrano?

– Acho que não, dona Fulana.

– É que ele fica o dia todo fora, tem que trabalhar, né? Ganhar o sustento. Você mora onde, minha filha?

– Perto do metrô Vazio.

– Nossa, é longe, né?

– É, é sim.
 
[Na verdade, não é, mas tive preguiça de explicar tudo.]

– Tá indo trabalhar?

– Sim, trabalho ali, na Rua dos Sonhos, do lado do Banco Lucros Lícitos. É num prédio com portão vermelho. É uma editora.

– Ah, sei qual é sim, já passei lá algumas vezes. Olha, qualquer dia, vem tomar um café, vem. A minha casa é aquela, olha. Vem mesmo, sem cerimônia.

– Vou sim, dona Fulana, qualquer dia eu vou.

– E você é casada, Simone?

– Não, dona Fulana, não sou não.

Ela colocou as duas mãos no rosto, numa expressão de lamento:

– Meu Deus, o príncipe encantado ainda não achou você?

– Não existe príncipe encantado, dona Fulana.

A essa altura, estava rindo bastante por dentro, mas não tanto quanto por fora. Tive receio de magoar a senhorinha.

– É, né, minha filha, essa história é coisa do passado.

Me abraçou e beijou de novo.

– Mas vem um dia tomar café aqui em casa, aí você conhece o Beltrano e o meu neto.

– Vou sim, pode deixar, dona Fulana.

– Bom trabalho, viu filha? Deus abençoe. Que você continue sempre linda e essa simpatia.

Beijo e abraço de novo.

– Obrigada, dona Fulana. Bom dia.

Ela ficou olhando eu ir embora.

Ri e sorri bastante sozinha enquanto caminhava até a editora.

[Tem a segunda parte, mas outro dia eu conto.]
 
 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O susto


Sei que muitos vão duvidar, mas os fatos a seguir são reais. Aconteceram há menos de dois anos. Trocarei apenas nomes e referências espaciais para preservar as personagens.

Era o fim de mais um dia de intenso trabalho. Voltar para casa, comer, tomar banho, ver televisão, fazer um carinho nos bichanos. Ah, que coisas boas a esperavam!
 
Violeta estava cansada, por isso deixava a escada rolante da estação Vila Mariana do metrô levá-la confortavelmente até lá embaixo.
 
 
Ela flutuava em seu mundo: sonhos, fantasias, estratégias para os problemas, observações internas sobre as roupas bregas dos transeuntes...
 
 
– Dá licença, moça.

– Dá licença, moça.

Violeta olhou para trás e então viu! Nada mais podia expressar o que sentiu: um grito, curto, discreto, contido, mas grito.

A criatura que lhe despertou essa emoção a olhava fixamente, sem entender o susto de de Violeta.

 
Enquanto isso um turbilhão de dúvidas passava pela mente de Violeta meus Deus o que faz uma criatura dessas aqui não entendo o que isso está fazendo aqui não é natural aqui é um lugar para pessoas o que eu faço o que eu faço caramba não pode ser mas é sim tenho certeza só pode ser eu gritei acho que gritei será ou só pensei que gritei o que eu faço o que eu faço o que eu faço descobri descobri nossa ele viu que eu gritei ele viu que me assustei ele viu preciso dizer alguma coisa rápido rápido pensa fala alguma coisa

– Nossa, moço, achei que você fosse um bode!
 
O moço-bode lançou-lhe um olhar mortífero-congelante e disse:

– E bode anda de metrô?

Ele fez um gesto simpático com as mãos, passou por Violeta e nunca mais foi visto.